2006/12/09

Angola 8 - A história de Lobito

Encontrei agora por acaso um site sobre o Lobito, onde tem uma breve história da cidade onde hoje habito, o Lobito.

Por ter achado muito interessante a história e querer compartilhar com todos os meus leitores, cá fica o link para a História da Cidade do Lobito e a própria história também.

"Durante mais de 300 anos o Lobito e a sua baía foram totalmente ignorados pela Administração Portuguesa. No início do nosso século, quando a povoação se tornou testa do Caminho de Ferro deBenguela e o principal porto de Angola, conheceu um desenvolvimento sem paralelo na colónia. Tanto assim que aquando da Independência, em 1975, o Lobito era, sem dúvida, a mais promissora das cidades portuguesas do Ultramar.
Não há quem tenha conhecido o Lobito que não reproduza, quase automaticamente, a frase assaz repetida nos folhetos turísticos da colónia nos anos 60: “A Sala de visitas de Angola.” E, se uma sala de visitas mostra o que há de melhor numa casa, então à cidade do Lobito, em relação a Angola, o epíteto assenta como uma luva. A urbe era arejada, limpa, modernamente traçada, com uma restinga de areia que se prolongava por mais de 3 km, toda ela bordada de viçosas e floridas moradias, que dividiam o mar alto do remanso da baía de águas tão tranquilas como uma piscina. O jornalista Julião Quintinha, em África Misteriosa, chama-lhe “(...) cidadezinha-cromo, cidade azul, quasi flutuante, que o mar beija e namora com perigoso amor”. O jornal O Lobito, o único título que ainda hoje resta da nossa imprensa colonial, refere a cidade como “uma estrofe d’Os Lusíadas, escrita por todos nós, numa estreita restinga de areia, sob a inspiração do mar”.Todavia, por estranho que possa parecer, a cidade do Lobito é das mais recentes na colonização portuguesa de Angola. Durante 300 anos ninguém ligou nenhuma àquele couto de corsários e contrabandistas. Nesses longos anos todo o movimento passou pela vizinha e histórica Benguela, a 30 km dali. Esta sim, prosperou e tornou-se a segunda da colónia.Diversas explicações há para justificar a tardia ocupação da baía do Lobito: há quem diga que os primeiros navegadores a terão passado sem dela fazerem reparo devido à grande restinga que a oculta; outros argumentam que terá sido a falta de água potável; estudiosos dizem também que é fácil passar a 4 milhas da baía sem a ver. O que se sabe é que no início do século XVII, Manuel Cerveira Pereira recebera ordens para navegar para sul e fundar uma cidade quando encontrasse uma baía. Foi assim que, em Maio de 1617, nasceu Benguela.A letargia atravessada pelo Lobito foi tal que só no fim do século XVIII passa a ter este nome, porque até aí o assentamento era conhecido, para se distinguir da Catumbela propriamente dita, por Catumbela da Água Salgada ou Catumbela das Ostras. Só depois da fundação da caieira de mariscos é que o Lobito entra para a história da ocupação do Reino de Benguela. O escritor Ralph Delgado, num apontamento sobre a história do Lobito, refere-se-lhe: “Baía abrigada e prenhe de matagais marinhos de caprichoso efeito (os mangais), onde se escondiam, à vontade, navios de contrabando, foi ela lugar de eleição para descaminho de direitos, a despeito das medidas adoptadas por Benguela, que destacara, para lá, um soldado com funções de cabo, a fim de dirigir os serviços da preparação da cal (...) Dentro destas duas serventias (fornecimento da cal, de ostras e de mangues e embarques abusivos sem despacho) o Lobito evolucionou lentamente, com fraca sinalização do interesse despertado ao governo subalterno de S. Filipe.” Foi curiosa a criação do Lobito. Nasceu a pedido de alguns moradores de Benguela, cansados com as baixas causadas pela insalubridade desta. E foi tal a vontade de o fazer que num ápice subscreveram 31 contos de réis para auxiliarem as despesas de transferência. Deste modo, em 1842, ainda antes da portaria régia aprovar a transferência, iniciou-se no Lobito a construção de um forte e do palácio do Governo, com fundos dos benguelenses e mão-de-obra escrava dos seus moradores. Quando, em Março de 1843, D. Maria II aprova o nascimento da cidade do Lobito, mais não havia que alguns barracões e uma plantação de coqueiros para consolidação da restinga de areia. Contudo, os interesses enraizados às pantanosas margens do Coringe, a carência de fundos e o esquecimento das epidemias – havia alguns anos que aquelas não fustigavam Benguela – adormeceram o ambicioso projecto, caindo o consentimento real na poeira dos arquivos sob a indiferença dos Chefes de Distrito. De tal forma que em 1853, quando o Lobito foi assaltado por uma quadrilha de gentio armado, apenas existiam escassas e insignificantes casas ligadas ao precário fabrico de cal das suas ostras. Em 1888 foi criado um posto fiscal, que foi confiado ao velho José Maria dos Santos, então o único branco que ali residia há mais de 30 anos.Efectivamente, a baía do Lobito só começou a atrair as atenções mesmo nos fins do século XIX, quando o comércio da borracha atingiu o seu zénite. O volume de transacções começou a reclamar um ancoradouro maior que o de Benguela, com capacidade somente para pequenas cargas. Foi assim que se começou a aproveitar as condições naturais da antiga Catumbela das Ostras. Mas foi só nos alvores do presente século (1902), com o início da construção do Caminho de Ferro de Benguela, que o Lobito saiu do marasmo em que esteve mergulhado durante mais de 300 anos. Com a concessão do caminho-de-ferro dada ao inglês Robert Williams, a cidade lançou definitivamente os seus alicerces, num combate quotidiano contra o pântano. Em menos de 20 anos o Lobito passava de uma baía abandonada coberta de mangal para uma cidade moderna, testa do Caminho de Ferro de Benguela e possuindo um moderno porto. Nestes anos aterraram-se pântanos, iniciou-se a construção do mercado, ergueu-se a ponte na Estrada Lobito-Benguela, levantou-se o edifício dos correios, do C.F.B., o Hotel Términus (o melhor da Província durante largos anos), acapela da N. S. da Arrábida. O “Boletim da Agência Geral das Colónias” de 1925 não tem pejo em afirmar que “o Lobito é a mais bela cidade desta costa”. E explica que tal se deve a três factores: “Excelência do seu pôrto; Ser testa da linha do C.F.B; Riqueza da ‘bacia económica’, ou seja o conjunto das regiões cujas vias de comunicação para o litoral devem ter a sua testa no Lobito.”Efectivamente, nessa altura a ponte-cais já possuía 225 m de muro acostável, comportando os maiores paquetes do mundo, sendo igualmente porta marítima de todo o vastíssimo planalto central de Angola, compreendendo as riquíssimas zonas do Huambo, Bié, Moxico. Mas não era só uma “gare” marítima do interior da colónia, era também o porto natural de uma grande parte da África Austral, e o mais económico para as comunicações entre as minas de cobre do Catanga (Congo Belga) e os portos da Europa. Em 1929, o C.F.B. atingiu finalmente a fronteira do Congo Belga. Em território angolano a linha ficou com 1347 km. Agora o porto do Lobito, mais económico por ser muito mais perto da Europa, já podia substituir os da Beira e do Cabo no escoamento do minério. O aumento do número de passageiros do comboio é impressionante: em 1908 é de 25.957 para passar, em 1926, a ser de 233.865. O jornalista Julião Quintinha, em África Misteriosa, não deixou de registar este enorme progresso: “(...) esta nova cidade marítima do Lobito, entre palmeiras, elegantes avenidas, chalets, pequeninos palácios, mimosos jardins orvalhados, e paquetes arrumados à terra, deu-me a sensação daqueles postais ilustrados que reproduzem magníficos portos estrangeiros - qualquer coisa de aguarela muito fresca e azul, com sabor salino, cheiro a carvão e ambiente cosmopolita (...)”Mais adiante, descreve: “Primeiro o Lobito velho de casebres derrubados onde se acoitam mendigos e pretos ladrões; depois, sucessivamente, o Mangal com salgueiros encharcados; o bairro indígena, de palhotas em fila por onde os negros gritam, pulam ou tombam a descansar; as construções do Porto, Caminho de Ferro, oficinas, residências operárias; grandes armazéns alfandegários, um pequeno posto aduaneiro enfeitado a trepadeiras, guardado por soldados negros, descalços, vestidos de caki; ruas comerciais onde passam comboios com vagões carregados de mercadorias, moradias ajardinadas de ar estrangeiro e feliz; e o palácio do govêrno, com parque e court de tennis, entre krotonos e roseiras.”No fim dos anos 40 rasgaram-se grandes avenidas: Duplo Centenário, Império, Marechal Carmona, Marginal do Atlântico, D. Maria II. Iniciaram-se trabalhos de jardinagem e o primeiro arranjo das praças Salazar, Camões e Infante D. Henrique. Começaram-se a desenhar os principais bairros: a Restinga, o mais chique, exclusivamente residencial, com espaçosas moradias que ora dão para o Atlântico, ora para a baía. Com 3 km de extensão e em alguns sítios nem 300 m de largura, era um autêntico jardim emergido do mar. Dizia-se que até as palmas das palmeiras batiam palmas à sua beleza. O único senão era quando o mar galgava tudo em tempo de cheias; o Bairro Central ou Comercial alternava esta actividade com as residências, aqui ficava também o porto e todas as suas dependências, a estação terminal do Caminho de Ferro de Benguela, a Câmara Municipal, os Correios, o Hotel Términus e o Mercado Municipal; mais à frente, no caminho para Benguela, já fora da zona portuária e de construção mais recente, situava-se o Bairro do Compão, uma zona reservada à classe menos abastada; com características idênticas, talvez um pouco mais comercial, surgia o Bairro da Caponte; mesmo em frente à restinga, do outro lado do porto, ficava a habitação reservada aos indígenas, conhecida pela Canata. Aqui, embora já houvesse construções de alvenaria, predominava ainda o caniço e o zinco.Na dobragem da década de 50 o Lobito “cosmopolitou-se” definitivamente. Para dar resposta ao constante apelo dos seus habitantes e visitantes, cujo número não parava de aumentar, sofisticou o comércio cada vez mais intenso nas três ruas que envolviam o Mercado Municipal, que se viu em pouco tempo completamente rodeado de requintadas lojas a fazer lembrar o portuense Bulhão. Surgiram novos hotéis. Nos arredores incrementou-se a indústria. A actividade portuária conhece um desenvolvimento sem precedentes. E com a Guerra da Secessão do Catanga, no ex-Congo Belga, o porto do Lobito ganhou ainda mais movimento. Nesta altura o total de minérios escoados rondava as 500 mil toneladas por ano. Tinha um movimento semelhante ao de Leixões, só sendo ultrapassado, quanto à tonelagem, pelo de Lisboa, Lourenço Marques e Beira. Do Lobito saía também milho, cimentos, plásticos, zincos, sisal, óleos e açúcares. Eduardo Fernando de Matos, no seu livro Viagem por terras de África, chegou mesmo a afirmar: “(...) Comparando este porto ao de Luanda, temos a impressão de que é o Lobito e não Luanda a capital da colónia. Porém, Luanda, como cidade, é muito superior.”De 1952 a 1962 a população branca da cidade subiu 150%. O Anuário de Angola de 1962-63 regista 6500 europeus, 420 mestiços e 25000 negros. E nos últimos tempos do colonialismo (1974), a cidade rasava os 100 mil habitantes, dos quais 30 mil eram brancos. Não havia dúvida que era a urbe da colónia que registava maior crescimento a todos os níveis, e, se assim continuasse, facilmente ultrapassaria capital do Distrito, a histórica Benguela.Agora, a população jovem da cidade demandava diversões e entretimentos. Ficaram célebres as sessões de cinema no Cine-Esplanada do Jardim Flamingo, lá para os lados do Compão. Debaixo de uma gigantesca pala de betão,construída pelo engenheiro Edgar Cardoso, crianças, jovens e senhores respeitados abrigavam-se do sol e da chuva deleitando-se com os últimos sucessos de bilheteira. Era sobretudo um ambiente informal e descontraído, permitindo uma mobilidade jamais consentida no velho e pesado Cine-Imperium. Na época de Natal, a fachada do Mercado Municipal cobria-se de luzes e na Praça D. Carlos erguia-se uma enorme árvore profusamente iluminada.O Carnaval tinha fama de ser o melhor de Angola. Ficaram célebres os seus desfiles na Praça Salazar. Aqui, em frente da Câmara Municipal e sob decorativa calçada portuguesa – esta praça pretendia assemelhar-se ao Terreiro do Paço, não faltando sequer o cais das colunas – tinham lugar também as marchas dos santos populares, em que os diferentes bairros competiam em função da originalidade dos trajes e da dança."

5 comentários:

Kwadi D. disse...

Excelente descrição da cidade :)

Anónimo disse...

Foi bom saber mais sobre a cidade onde nasci e cresci.
No entanto continuo com a dúvida que há muito me acompanha, que é sobre a origem do nome.
Porquê Lobito, alguém sabe?

Nilza Pavão

nilzapavao@gmail.com

Angela Alem disse...

A origem da palavra vem do substantivo pitu, antecedida da partícula classificativa olu; assim teríamos OLU+PITU, a “porta, o passadiço, a passagem “ que as caravanas de carregadores, ao descer dos morros vindos do interior, percorreriam, antes de atingirem a “praça comercial” da Catumbela; com o uso continuado e o tempo, tal substantivo comum passaria a nome próprio, pelo que iria perder o O inicial, logo LUPITU que acabou por ser aportuguesado para Lobito. Espero que esta resposta yenha satisfeito sua curiosidade. Angela Alem

Carmona disse...

Acho que alguém que nunca esteve em Angola, nem muito menos conheceu de perto o Lobito, tenha a veleidade de vir com uma proposta para o nome do Lobito, apoiada não se sabe por que obscuros interesses. A cidade do lobito, nunca foi conhecida na história por vocábulo nenhum indígena nem muito menos pelo OLU+PITU... Eu não me atreveria a colocar propostas para justificar o nome de São Paolo- Brasil
Ao contrário de outras zonas Catumbela deve o seu nome a um soba que ali vivia no tempo de Manuel Cerveira Pereira e a baía subjacente era conhecida por Catumbela da água salgada ou das ostras em contraposiçâo das terras do soba Catumbela, ou a vila da Catumbela da água doce. O topónimo Lobito sempre aparece como tal desde 1780. Outras zonas ao norte aparecem em escritos antigos com o seu nome indígena, como por exemplo o Egito praia, mais ao norte do Lobito. Se os portugueses soubessem de algum topónimo indígena, o teriam referido para designar a baía do Lobito, mas isso nunca foi assim- sempre se referem a Catumbela das ostras ou da água salgada.-
O Topónimo Lobito advém de uma família que pouco depois da conquista de Benguela por Manuel Cerveira Pereira, obteve a concessão de umas salinas, na área onde é hoje o Lobito Velho. Resulta que o apelido desta família era LOBITO, como aliás se pode comprovar nos Arquivos da Torre do Tombo em Portugal e, o sal era conhecido como o sal das salinas do Sr. Lobito e daí passou a sal do Lobito e ao topónimo da cidade. Tudo o resto é pura invenção.-

Carmona disse...

Uma pequena correcção para esta entrada: "Ficaram célebres os seus desfiles na Praça Salazar. Aqui, em frente da Câmara Municipal e sob decorativa calçada portuguesa – esta praça pretendia assemelhar-se ao Terreiro do Paço, não faltando sequer o cais das colunas"-
1º- Os desfiles do Carnaval eram feitos na ponta da Restinga entre a Praça Camões e a Praça do Infante.-
2º- A Praça Salazar, se assemelha ao Terreiro do Paço nas portas do mar, mas assinalam a génesis da criação da cidade do Lobito ao ter sido ali que se construiu a primeira ponte cais, dando origem ao porto do Lobito e à testa do Caminho de Ferro de Benguela.-